Herança de Criptomoedas: Como incluir ativos digitais no inventário?
No cenário atual, onde o mundo digital se expande rapidamente, a questão da herança de criptomoedas e outros ativos digitais tem se tornado uma preocupação crescente para investidores e famílias. Com o aumento expressivo do valor e da popularidade das moedas digitais, muitas pessoas acumulam patrimônio significativo nesse formato, mas frequentemente negligenciam o planejamento sucessório desses bens.
Diferentemente de ativos tradicionais, como imóveis ou contas bancárias, as criptomoedas apresentam desafios únicos no processo de transmissão por herança, exigindo conhecimentos específicos e estratégias adequadas.
Herança de criptomoedas: Saiba como incluí-los no inventário. | Foto: Freepik.
Como incluir criptomoedas em um inventário?
A inclusão de criptomoedas em um inventário apresenta particularidades que a diferenciam substancialmente dos processos tradicionais. O principal desafio reside na natureza descentralizada e criptografada desses ativos, que não possuem registro em órgãos centrais ou instituições financeiras convencionais.
Identificação e documentação dos criptoativos
O primeiro passo para incluir criptomoedas em um inventário é a identificação completa e documentação detalhada de todos os ativos digitais possuídos. Isso inclui:
- Listagem de todas as criptomoedas e tokens
- Identificação das carteiras digitais (wallets) onde estão armazenados
- Registro das exchanges utilizadas
- Documentação de NFTs e outros ativos baseados em blockchain
É fundamental manter esta lista atualizada e armazenada em local seguro, preferencialmente com indicações sobre como acessar cada um desses ativos. Contudo, é importante ressaltar que esta documentação não deve expor diretamente as chaves privadas, evitando riscos de segurança.
Procedimentos para inventário extrajudicial e judicial
No Brasil, existem duas vias principais para a realização do inventário que incluirá os criptoativos:
Inventário extrajudicial: Pode ser realizado quando não há herdeiros incapazes, existe acordo entre todas as partes e não há testamento. Este procedimento é feito em Cartório ou Tabelionato de Notas mediante petição assinada por um advogado. Para criptomoedas, este caminho apresenta limitações, especialmente pela dificuldade de acesso às chaves sem instruções prévias do falecido.
Inventário judicial: Ocorre quando há testamento, existem herdeiros incapazes ou não há acordo entre as partes. Esta é atualmente a via mais viável para a transmissão de criptomoedas, especialmente quando há um testamento indicando a localização das chaves privadas ou instruções de acesso às carteiras digitais.
O papel do testamento
O testamento desempenha função crucial na transmissão de criptomoedas. Dentre as modalidades disponíveis, o testamento cerrado destaca-se como o mais adequado para criptoativos, pois:
- Mantém as informações sensíveis em sigilo durante a vida do testador
- Permite incluir instruções detalhadas sobre como acessar as carteiras digitais
- Possibilita a indicação precisa de quais herdeiros receberão cada porção dos ativos digitais
No testamento, é possível indicar a quantia total dos criptoativos e determinar quanto cada herdeiro receberá, além de fornecer orientações sobre como acessar esses bens após o falecimento.
Herança de criptomoedas: como garantir acesso às carteiras digitais?
O principal obstáculo na transmissão de criptomoedas por herança está no acesso às carteiras digitais. Sem as chaves privadas, os herdeiros simplesmente não conseguirão movimentar ou resgatar esses ativos, resultando em perda permanente do patrimônio.
Estratégias seguras para transmissão de chaves privadas
Existem diversas estratégias para garantir que seus herdeiros tenham acesso às suas criptomoedas, sem comprometer a segurança durante sua vida:
- Carteiras com multi assinaturas (Multi-Sig Wallet): Esta solução permite distribuir múltiplas assinaturas entre os herdeiros e deixar uma última em testamento cerrado. Após o falecimento, as assinaturas são combinadas para permitir o acesso aos fundos.
- Transações nLockTime: Trata-se da criação de uma transação com data futura que pode ser entregue ao herdeiro ou guardada em local seguro. Durante a vida, o proprietário pode invalidá-la periodicamente e criar uma nova. O herdeiro não consegue usar os fundos antes da data estabelecida.
- Hardware Wallets com instruções seguras: Armazenar os criptoativos em uma ledger wallet ou dispositivo similar, guardando-o em um cofre, com instruções de acesso em testamento cerrado.
- Cofres digitais protegidos: Serviços especializados que permitem armazenar informações digitais importantes, incluindo detalhes de acesso a criptomoedas, liberando essas informações apenas após procedimentos específicos de verificação de falecimento.
Soluções tecnológicas para herança digital
O mercado tem desenvolvido soluções inovadoras para enfrentar os desafios da herança digital, especialmente para criptomoedas:
- Smart contracts programados: Contratos inteligentes na blockchain que podem ser programados para transferir ativos automaticamente após determinadas condições serem atendidas, como a confirmação de falecimento.
- Serviços de herança digital: Plataformas como SecureSafe e PasswordBox permitem a transferência de senhas, contas de e-mail e instruções para acesso a carteiras digitais após confirmação de falecimento.
- Blockchain Wills: A possibilidade de registrar testamentos em blockchain (blockchain wills) emerge como uma solução segura para preservação das senhas de carteiras de criptoativos.
É importante ressaltar que muitas dessas soluções são relativamente novas e podem apresentar vulnerabilidades. A combinação de métodos tradicionais (como o testamento cerrado) com soluções tecnológicas costuma ser a abordagem mais segura.
Quais são os desafios legais da herança de criptoativos?
O cenário legal para herança de criptomoedas no Brasil ainda está em desenvolvimento, apresentando diversos desafios significativos tanto para proprietários quanto para herdeiros.
Lacunas na legislação brasileira
A transmissão de criptomoedas por herança enfrenta o desafio fundamental da ausência de legislação específica. Embora o Código Civil brasileiro estabeleça que, com a morte, ocorre a transmissão automática da herança aos herdeiros, a natureza única dos criptoativos gera incertezas jurídicas.
Atualmente, tramita o Projeto de Lei nº 4.099/2012, que propõe alterar o artigo 1.788 do Código Civil para garantir aos herdeiros a transmissão de todos os conteúdos de contas e arquivos digitais. Essa mudança seria fundamental para facilitar o acesso dos herdeiros a senhas e informações digitais do falecido.
Questões tributárias
A tributação da herança de criptomoedas enfrenta desafios específicos:
- Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD): Este imposto estadual incide sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos por herança. Entretanto, a aplicação às criptomoedas enfrenta o problema da inexistência de um indexador oficial que determine o valor de conversão.
- Ausência de órgão regulador: Não existe atualmente um órgão oficial que determine a cotação das criptomoedas no Brasil, dificultando a valoração precisa para fins tributários.
- Localização dos ativos: Quando os criptoativos estão armazenados em servidores fora do Brasil, surge o desafio adicional de determinar a jurisdição aplicável e o processo correto para sua inclusão no inventário.
Reconhecimento dos criptoativos como parte da herança
Apesar da falta de regulamentação específica, os criptoativos são considerados bens móveis com valor econômico no Brasil, de modo similar a ações ou outros investimentos. Isso significa que legalmente devem compor a herança, mesmo que existam desafios práticos para sua identificação e transferência.
Um ponto importante é que, diferentemente de outros bens, o acesso às criptomoedas pode ocorrer imediatamente após o falecimento se o herdeiro possuir as chaves de acesso, independentemente da formalização do inventário. Isso cria situações peculiares do ponto de vista legal, onde o controle efetivo sobre o ativo pode preceder a transmissão formal pela via sucessória.
Herança de criptomoedas: como evitar perdas e fraudes?
A perda permanente de criptomoedas durante o processo sucessório é uma realidade preocupante. Estima-se que aproximadamente 7,8 milhões de Bitcoins estão permanentemente perdidos, equivalentes a trilhões de reais, muitos deles devido a falecimentos sem planejamento adequado.
Riscos específicos da herança de criptoativos
Os principais riscos associados à herança de criptomoedas incluem:
- Perda irreversível de acesso: Sem as chaves privadas, os criptoativos ficam permanentemente inacessíveis, independentemente de quem seria seu legítimo proprietário.
- Roubo ou fraude: Exposição inadequada de informações de acesso pode levar ao roubo dos ativos antes mesmo que sejam formalmente transmitidos aos herdeiros.
- Complicações legais: A falta de clareza jurídica pode gerar disputas entre herdeiros ou dificuldades no processo de inventário.
- Desvalorização durante o processo: Dada a volatilidade das criptomoedas, atrasos no acesso podem resultar em perdas significativas de valor.
Melhores práticas de segurança e planejamento
Para mitigar esses riscos, recomenda-se:
- Criar um inventário digital atualizado: Liste todos os seus ativos digitais, incluindo criptomoedas, em um documento que seja atualizado regularmente.
- Utilizar testamento cerrado: Esta modalidade de testamento preserva o sigilo das informações sensíveis até o momento do falecimento.
- Adotar solução de múltiplas camadas: Combine diferentes estratégias, como hardware wallets físicas guardadas em cofres com instruções em testamento e uso de carteiras multi-assinatura.
- Consultar especialistas: Busque orientação de profissionais especializados tanto em direito sucessório quanto em tecnologia blockchain.
- Considerar a conversão parcial: Em alguns casos, pode ser prudente converter parte dos criptoativos em investimentos mais tradicionais e de fácil transmissão.
Planejamento sucessório para ativos digitais
O planejamento sucessório adequado para criptomoedas deve integrar aspectos legais, tecnológicos e práticos. Na Eu Herdei, recomendamos uma abordagem estruturada que inclui:
- Documentação completa: Registre todos os seus ativos digitais, incluindo onde estão armazenados e como podem ser acessados.
- Instruções claras: Forneça orientações detalhadas sobre como acessar cada ativo, mas armazene essas informações de forma segura.
- Definição de beneficiários: Especifique claramente quem deve receber cada porção dos seus ativos digitais.
- Atualização periódica: Revise e atualize seu planejamento regularmente, especialmente após movimentações significativas ou mudanças nas plataformas utilizadas.
- Teste do processo: Quando possível, teste os procedimentos de acesso para garantir que funcionarão quando necessário.
Soluções inovadoras e tecnológicas
Além das abordagens tradicionais, novas soluções tecnológicas estão surgindo:
- Testamentos em blockchain: Registros imutáveis que podem conter instruções e até mesmo executar automaticamente a transferência de ativos.
- Plataformas especializadas: Serviços projetados especificamente para facilitar a transição de ativos digitais, incluindo criptomoedas, para herdeiros.
- Integração com exchanges regulamentadas: Algumas corretoras de criptomoedas já oferecem procedimentos específicos para casos de falecimento de clientes.
O desenvolvimento da plataforma Notarchain, criada pelo e-Notariado, representa um avanço significativo nesse sentido, permitindo a validação e autenticação de documentos eletrônicos com segurança.
À medida que os investimentos em criptomoedas se tornam mais comuns, a necessidade de um planejamento sucessório adequado para esses ativos se torna imprescindível. A combinação de estratégias jurídicas tradicionais, como o testamento cerrado, com soluções tecnológicas inovadoras representa o caminho mais seguro para garantir que sua herança digital chegue efetivamente aos seus beneficiários.
Quer garantir que seus ativos digitais estejam protegidos e sejam corretamente transmitidos na herança? Entre em contato com a Eu Herdei e descubra como podemos ajudar no planejamento sucessório completo de seu patrimônio digital e tradicional.