Herança de Dívidas Trabalhistas: Os herdeiros são responsáveis
Receber uma herança pode ser tanto uma bênção quanto um desafio, especialmente quando envolve não apenas bens, mas também possíveis dívidas deixadas pelo falecido. Uma das questões mais complexas nesse cenário refere-se às dívidas trabalhistas, que frequentemente geram dúvidas sobre os limites da responsabilidade dos herdeiros.
Afinal, quem herda o patrimônio também herda as obrigações trabalhistas pendentes? Até que ponto os herdeiros podem ser responsabilizados pelas dívidas laborais de um ente querido que faleceu? Este artigo esclarece os principais aspectos legais sobre esse tema tão relevante para quem se depara com processos sucessórios.
Herança de dívidas trabalhistas: saiba quem são os responsáveis. | Foto: Freepik.
Herança de dívidas trabalhistas: o que diz a lei?
A legislação brasileira estabelece parâmetros claros sobre a responsabilidade dos herdeiros quanto às dívidas do falecido, incluindo as de natureza trabalhista. O princípio fundamental está definido no artigo 1.997 do Código Civil, que determina: "A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube".
Esse dispositivo legal consagra dois momentos distintos de responsabilidade. Inicialmente, antes da partilha, é o conjunto de bens deixados pelo falecido (o espólio) que responde pelas dívidas. Após a partilha, a responsabilidade se transfere aos herdeiros, mas com uma importante limitação: cada um responde apenas na proporção do que recebeu.
A transmissão de créditos e débitos trabalhistas
No âmbito específico das relações trabalhistas, é interessante notar que tanto créditos quanto débitos podem ser objeto de transmissão hereditária. No caso de créditos trabalhistas, a Lei nº 6.858/80 estabelece que os valores devidos pelos empregadores aos empregados falecidos serão pagos aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil.
Por outro lado, quando se trata de débitos trabalhistas, a jurisprudência tem consolidado o entendimento de que os herdeiros só respondem por essas dívidas até o limite do valor da herança recebida. Isso significa que o patrimônio pessoal dos herdeiros, aquele que não provém da herança, está protegido.
O caso especial da empresa familiar
Quando o falecido era sócio ou proprietário de uma empresa, a situação pode se tornar mais complexa. De acordo com o artigo 10-A da CLT e o artigo 1.032 do Código Civil, o sócio responde pelas obrigações da sociedade por até dois anos após sua retirada, exclusão ou morte.
Contudo, a jurisprudência tem entendido que, transcorrido esse prazo, não é mais possível atribuir responsabilidade ao espólio já finalizado, tampouco aos herdeiros, nem mesmo limitada aos quinhões da herança recebida.
Como os herdeiros podem se proteger de dívidas trabalhistas?
Diante da possibilidade de herdar dívidas trabalhistas, é fundamental conhecer os mecanismos legais que podem proteger o patrimônio dos herdeiros.
Inventário negativo: quando não há bens a partilhar
Uma importante ferramenta protetiva é o inventário negativo, procedimento legal utilizado para declarar formalmente que uma pessoa falecida não deixou bens a serem partilhados. Este documento serve para comprovar a inexistência de patrimônio e evitar complicações jurídicas para os herdeiros, como cobranças indevidas de dívidas.
O inventário negativo pode ser feito de duas formas:
- Extrajudicialmente (em cartório), quando há consenso entre os herdeiros e nenhuma pendência judicial
- Judicialmente, quando há disputas, credores contestando a inexistência de patrimônio ou menores envolvidos
A Justiça do Trabalho já firmou importantes precedentes nesse sentido. Em caso julgado pelo TRT da 13ª Região (PB), ficou estabelecido que os filhos de um devedor falecido não poderiam ser responsabilizados por dívida trabalhista quando comprovado que o pai não deixou herança.
Segundo o desembargador relator, “o herdeiro assume responsabilidades apenas quando recebe bens ou valores da herança, mas que nunca podem ultrapassar esse proveito, pois, do contrário, estaria consagrada a herança negativa, ou sucessão hereditária nas dívidas, situação que não tem respaldo legal, doutrinário ou jurisprudencial”.
Renúncia à herança: implicações e procedimentos
Outra estratégia protetiva é a renúncia à herança, ato pelo qual o herdeiro abre mão voluntariamente de seus direitos sucessórios. A 16ª Turma do TRT da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista) acolheu um agravo e afastou a responsabilidade em processo de execução trabalhista contra herdeiro que renunciou à sua parte na herança.
A renúncia deve ser expressa e formalizada por escritura pública ou termo judicial. Uma vez homologada, retira do herdeiro a condição de responsável pelos débitos do espólio, mesmo os de natureza trabalhista.
Aceitação com benefício de inventário
Existe ainda a possibilidade de aceitação da herança "com benefício de inventário", modalidade que permite ao herdeiro aceitar a herança com a ressalva de que só responderá pelas dívidas até o limite dos bens herdados. Esta opção, menos conhecida, pode ser uma alternativa à renúncia total, especialmente quando há bens valiosos na herança que compensam eventual assunção de dívidas.
Herança de dívidas trabalhistas: até onde vai a responsabilidade?
Um dos pontos mais importantes a compreender é justamente o limite da responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas trabalhistas do falecido.
O limite do valor efetivamente herdado
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu recentemente que os herdeiros só respondem por dívidas até o valor real da herança efetivamente recebida. No caso analisado, os pais de um homem falecido haviam herdado apenas uma nota promissória emitida por uma empresa em falência, que nunca foi resgatada. O tribunal entendeu que essa nota promissória não representava um patrimônio real, mas apenas uma expectativa de crédito com poucas chances de ser paga.
Esta decisão reforça o princípio de que o patrimônio pessoal dos herdeiros está protegido. Eles só podem ser responsabilizados na medida do benefício econômico efetivamente obtido com a herança, não por valores nominais ou teóricos.
Ausência de bens: impossibilidade de execução
A jurisprudência trabalhista tem se consolidado no sentido de que, na ausência de bens deixados pelo falecido, não é possível prosseguir com a execução contra os herdeiros. A 18ª Turma do TRT da 2ª Região decidiu, unanimemente, negar o prosseguimento de uma execução trabalhista contra os herdeiros de um sócio de empresa por falta de provas que comprovassem a existência de bens herdados passíveis de execução.
Conforme destacou a juíza-relatora Renata de Paula Eduardo Beneti, "diante da ausência de prova robusta acerca da existência de bens provenientes de herança, correta a origem que indeferiu o pedido de prosseguimento da forma pretendida, por ser 'impossível a hipótese de execução dos herdeiros' em razão da mera presunção".
O caso especial dos sócios e empresários
Quando o falecido era sócio ou empresário individual, aplicam-se regras específicas. O artigo 10-A da CLT estabelece que o sócio retirante (incluindo por falecimento) responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato.
Porém, passado esse prazo, a jurisprudência tem entendido que "não é cabível a atribuição de responsabilidade ao espólio já finalizado, tampouco aos herdeiros, nem mesmo a limitada aos quinhões da herança".
Quais são os passos para contestar dívidas trabalhistas na herança?
Se você se encontra na situação de herdeiro incluído em uma execução trabalhista, é importante conhecer os procedimentos para contestar essa inclusão quando cabível.
Documentação necessária para a defesa
Para contestar a inclusão em execução trabalhista, os herdeiros precisam reunir documentação que comprove:
- A inexistência de bens deixados pelo falecido (certidões negativas de bens imóveis, veículos e outros)
- O inventário negativo, se houver
- A escritura de renúncia à herança, se for o caso
- Documentos que demonstrem a data do falecimento e a data da inclusão no processo trabalhista (para verificar a aplicação do prazo de dois anos previsto na legislação)
- Comprovação do encerramento do inventário, quando aplicável
A exceção de pré-executividade e outros instrumentos
Um dos instrumentos processuais mais adequados para contestar a inclusão indevida na execução trabalhista é a exceção de pré-executividade, que permite ao herdeiro arguir questões como:
- Inexistência de herança (inventário negativo)
- Prescrição do prazo de dois anos previsto na lei
- Renúncia formal à herança
- Ausência de responsabilidade pessoal pelas dívidas do falecido
Este instrumento tem a vantagem de não exigir garantia prévia do juízo, como ocorre com os embargos à execução.
Atenção aos prazos prescricionais
É importante estar atento aos prazos prescricionais específicos das reclamações trabalhistas envolvendo falecidos:
- Morte do empregado maior de 18 anos: 2 anos a partir do falecimento para os herdeiros ingressarem com reclamatória trabalhista
- Morte do empregado menor de 18 anos: o prazo conta a partir da data em que completaria 18 anos
- Herdeiro menor: 2 anos a partir dos 16 anos
Por outro lado, para os credores trabalhistas que desejam incluir os herdeiros na execução, o prazo é de dois anos após a averbação da morte do sócio ou empresário.
O comportamento processual adequado
Um aspecto crucial a ser observado pelos herdeiros é o comportamento processual adotado quando incluídos na execução. Em decisão recente, o TRT da 18ª Região manteve um herdeiro no polo passivo por ter praticado atos de devedor no curso do processo, como impugnar a conta de liquidação e firmar acordo.
O tribunal entendeu que a alegação posterior do herdeiro, de ausência de responsabilidade pela obrigação trabalhista, não poderia ser acolhida em razão da preclusão lógica, já que em momento anterior ele havia assumido a posição de devedor. Assim, é fundamental buscar orientação jurídica especializada desde o primeiro momento em que se toma conhecimento do processo.
Planejamento sucessório como prevenção
Como vimos ao longo deste artigo, a questão da responsabilidade dos herdeiros por dívidas trabalhistas do falecido é complexa e envolve diversos aspectos legais. Embora a lei estabeleça limites para essa responsabilidade, restringindo-a ao valor da herança efetivamente recebida, os desdobramentos práticos podem ser desgastantes e onerosos.
Por isso, o planejamento sucessório se apresenta como uma ferramenta preventiva fundamental. Ao organizar antecipadamente a distribuição do patrimônio e prever possíveis passivos, incluindo os trabalhistas, é possível minimizar riscos e proteger o patrimônio familiar.
Na Eu Herdei, acreditamos que conhecer seus direitos e obrigações é o primeiro passo para tomar decisões informadas sobre questões sucessórias. Nossos especialistas estão preparados para orientar sobre as melhores estratégias de planejamento sucessório, considerando aspectos fiscais, patrimoniais e familiares.
Não deixe para pensar nisso apenas quando for tarde demais. Planejar a sucessão é um ato de cuidado com quem você ama. Entre em contato com a Eu Herdei hoje mesmo e garanta tranquilidade na herança para você e sua família no futuro. Clique aqui para agendar uma consulta.