Inventários de Bens Rurais: Como funciona a partilha de propriedades agrícolas
Quando se trata de heranças e sucessão patrimonial no contexto rural, os inventários ganham contornos específicos que demandam atenção especial.
O processo de inventário de bens rurais envolve muito mais do que apenas a transferência formal de propriedade - abrange questões como produtividade contínua, preservação de atividades econômicas e respeito às limitações legais para divisão territorial. Este procedimento é fundamental para garantir que a transferência de propriedades agrícolas ocorra de maneira legal, organizada e respeitando os direitos de todos os envolvidos.
Inventário de bens rurais: saiba como funciona todo esse processo. | Foto: Freepik.
O que são inventários de bens rurais e por que são complexos?
Os inventários de bens rurais constituem procedimentos legais destinados a apurar, avaliar e distribuir os bens de uma pessoa falecida que possuía propriedades agrícolas. Diferentemente dos inventários urbanos, estes processos apresentam particularidades que os tornam mais complexos e, em muitos casos, mais demorados.
A complexidade dos inventários rurais está diretamente relacionada às características próprias das propriedades agrícolas. Entre os elementos que contribuem para essa complexidade, podemos destacar:
- O valor e a extensão das terras, que geralmente representam patrimônios significativos
- A necessidade de avaliar não apenas a terra, mas também benfeitorias, maquinários e outros ativos específicos
- A continuidade das atividades produtivas durante o processo de inventário
- As restrições legais quanto à fragmentação dos imóveis rurais
- A existência de situações de usufruto ou arrendamento em vigor
- As características geográficas que exigem avaliações técnicas especializadas
Conforme aponta o setor jurídico especializado, "os inventários de áreas rurais costumam ser mais morosos devido a uma série de interesses, que podem envolver situações de usufruto, propriedades alugadas ou usadas pelos beneficiários e continuidade de produções agrícolas".
Modalidades de inventário rural: judicial x extrajudicial
Existem duas modalidades principais para realizar o inventário de propriedades agrícolas:
Inventário Judicial:
Realizado por meio do Poder Judiciário, é obrigatório quando há menores ou incapazes entre os herdeiros, quando existe testamento ou quando não há acordo entre os herdeiros. O processo tende a ser mais demorado e custoso, com a escolha do inventariante feita pelo juiz.
Inventário Extrajudicial:
Introduzido pela Lei nº 11.441/07, permite que o inventário seja realizado diretamente em cartório, por meio de escritura pública. Para que esta modalidade seja possível, todos os herdeiros devem ser maiores, capazes e estar em pleno acordo quanto à divisão dos bens. A escolha do inventariante é feita pelos próprios herdeiros.
O advogado Giovanni Trombini Taques, especialista em agronegócios, ressalta que "o inventário rural é instrumento essencial para uma gestão eficiente da propriedade, pois ele permite ao produtor mensurar com maior exatidão qual o valor real do seu patrimônio, incluindo o valor da sua terra, dos seus ativos biológicos, maquinário e demais bens".
Quais são os custos envolvidos em inventários de propriedades agrícolas?
O processo de inventário de propriedades agrícolas envolve uma série de custos que devem ser considerados pelos herdeiros. Estes valores podem variar significativamente dependendo do estado, do valor do patrimônio e da complexidade do processo.
Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)
Este é o principal tributo incidente sobre a transferência de bens por herança. O ITCMD é um imposto estadual, cuja alíquota varia conforme o estado em que se localiza a propriedade agrícola. As alíquotas podem variar de 1% a 8% do valor total dos bens.
Em alguns estados, a cobrança ocorre de forma progressiva, variando de acordo com o valor do patrimônio. Por exemplo:
- Em Mato Grosso, as alíquotas variam de 2% a 8%, com isenção para valores até 1.500 UPF/MT
- Em São Paulo, a alíquota única é de 4% sobre o valor dos bens
- Em Rondônia, as alíquotas variam de 2% a 4%, dependendo do valor da base de cálculo
É importante ressaltar que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal dos bens, que deve ser avaliado adequadamente, especialmente no caso de propriedades agrícolas, onde características como localização, infraestrutura e potencial produtivo influenciam diretamente no valor.
Honorários advocatícios
A contratação de um advogado é obrigatória no processo de inventário, independentemente da modalidade escolhida. Os honorários advocatícios em inventários rurais geralmente variam entre 2% e 10% do valor total dos bens inventariados.
De acordo com informações da Zilicred, "os honorários advocatícios geralmente variam entre 6% e 10% do valor total dos bens inventariados, com possibilidade de negociação dependendo da complexidade do caso". É recomendável contratar um profissional especializado em direito sucessório e com conhecimento em questões rurais para garantir que o processo ocorra dentro da legalidade e com eficiência.
Custas cartoriais e judiciais
Nos inventários extrajudiciais, realizados em cartório, há taxas relacionadas à lavratura da escritura pública. Já nos inventários judiciais, as custas processuais variam conforme o valor da causa e a tabela de cada tribunal.
As custas cartoriais são calculadas com base no valor do patrimônio e variam de acordo com a tabela de cada estado. Conforme estabelecido no art. 6º da Resolução CNJ nº 35/2007, "a gratuidade prevista na Lei n° 11.441/07 compreende as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais", o que significa que pessoas de baixa renda podem solicitar a isenção dessas taxas.
Custos com avaliação e perícia
Em muitos casos, é necessária a avaliação técnica das propriedades agrícolas por engenheiros agrônomos ou peritos. Estes profissionais são responsáveis por determinar o valor real dos imóveis rurais, considerando não apenas a terra nua, mas também benfeitorias, culturas, maquinários e outros ativos.
Como funciona a divisão de terras em inventários rurais?
A divisão física de propriedades agrícolas em processos de inventário apresenta particularidades e limitações legais que devem ser rigorosamente observadas.
O conceito de módulo fiscal e suas implicações
O módulo fiscal é uma unidade de medida agrária expressa em hectares, instituída pela Lei nº 6.746/1979, que serve como parâmetro para classificação fundiária dos imóveis rurais. Seu tamanho varia de acordo com cada município, levando em consideração:
- O tipo de exploração predominante na região
- A renda obtida com tal exploração
- Outras explorações existentes no município
- O conceito de propriedade familiar
O Estatuto da Terra estabelece que "o imóvel rural é divisível apenas em áreas de dimensão superior a um módulo fiscal". Isso significa que, em um processo de inventário, a propriedade agrícola não pode ser fragmentada em parcelas menores que um módulo fiscal, o que muitas vezes impede a divisão física do imóvel entre os herdeiros.
Conforme explica o artigo especializado: "O módulo rural serve de parâmetro para definir o enquadramento sindical rural, definir os limites da dimensão dos imóveis rurais no caso de aquisição por pessoa física estrangeira residente no país, determinar a fração mínima de parcelamento DFMP e por fim, definir os beneficiários do Fundo de Terras e da Reforma Agrária junto ao Banco da Terra".
Alternativas para a divisão de propriedades agrícolas
Quando a divisão física não é possível devido às restrições legais, existem alternativas para garantir a distribuição equitativa do patrimônio entre os herdeiros:
- Condomínio rural: Os herdeiros mantêm a propriedade em regime de condomínio, com cada um possuindo sua quota-parte ideal do imóvel.
- Desmembramento legal: Quando possível e respeitando o módulo fiscal, a propriedade pode ser desmembrada em matrículas individuais.
- Compensação financeira: Um ou mais herdeiros permanecem com a propriedade e compensam financeiramente os demais.
- Constituição de pessoa jurídica: Criação de uma empresa rural onde os herdeiros se tornam sócios.
É importante observar que o Código Civil, em seu art. 1.320, "estabelece a possibilidade de se exigir a divisão (ou desmembramento) do bem comum a qualquer tempo, hipótese em que o condômino/herdeiro poderá requerer a divisão de sua quota ideal do bem, mediante abertura de uma nova matrícula individualizada". No entanto, essa divisão só será possível se respeitar os limites mínimos estabelecidos pela legislação.
A importância do memorial descritivo e georreferenciamento
Para realizar a divisão legal de uma propriedade rural, é necessário a elaboração de um memorial descritivo por engenheiro agrimensor. De acordo com a legislação, este documento deve conter "as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA".
O Memorial Descritivo de Imóveis Rurais é "o documento relativo ao imóvel rural que descreve o perímetro e indica as confrontações e sua área, bem como as coordenadas dos vários vértices, de acordo com dados técnicos determinados em campo"8. Este documento é público e deve ser registrado em cartório, contendo todas as informações do imóvel e seus confrontantes.
Inventários rurais: documentos essenciais para regularização
A organização prévia da documentação é fundamental para agilizar o processo de inventário de propriedades agrícolas. Os documentos necessários podem ser divididos em três categorias principais:
Documentos pessoais do falecido
- RG e CPF (pode ser CNH ou identidade profissional)
- Certidão de óbito
- Documento que comprove o estado civil:
- Se solteiro(a): certidão de nascimento
- Se casado(a): certidão de casamento
- Se separado(a) ou divorciado(a): certidão de casamento com a devida averbação
- Se viúvo(a): certidão de casamento com averbação de óbito ou certidão de casamento junto com a certidão de óbito
- Se solteiro(a): certidão de nascimento
Documentos da propriedade rural
- Certidão de Inteiro Teor da Matrícula do imóvel (emissão máxima de 30 dias)
- Comprovante de Inscrição e Situação Cadastral do Imóvel Rural (CCIR)
- Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) dos últimos cinco anos
- Cadastro Ambiental Rural (CAR)
- Planta topográfica e memorial descritivo da propriedade
- Documentos comprobatórios de eventuais contratos de arrendamento, parceria ou comodato vigentes
Documentos dos herdeiros
- Documentos pessoais (RG, CPF)
- Comprovante de residência atualizado
- Certidão de casamento ou união estável (quando aplicável)
- Dados bancários para eventual transferência de valores
Prazos e consequências do atraso
De acordo com o Código de Processo Civil, "o processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60 (sessenta) dias a contar da abertura da sucessão". O não cumprimento deste prazo pode acarretar em multa de 20% sobre o valor venal dos bens a inventariar, conforme alertado pelos especialistas: "Pela regra geral, o prazo para a abertura do inventário é de 60 dias e, caso não seja feito, incorrerá em multa de 20% sobre o valor venal dos bens a inventariar".
Benefícios de um inventário rural bem conduzido
Além de cumprir as exigências legais, um inventário rural bem conduzido proporciona diversos benefícios para os herdeiros e para a continuidade das atividades produtivas:
- Segurança jurídica: Regulariza a situação da propriedade, evitando disputas futuras entre os herdeiros.
- Planejamento patrimonial: Permite avaliar com precisão o patrimônio e planejar sua gestão eficiente.
- Continuidade produtiva: Evita interrupções nas atividades agrícolas durante o processo sucessório.
- Acesso a crédito: Propriedades regularizadas têm mais facilidade para acessar linhas de crédito rural.
- Valorização patrimonial: Imóveis com documentação em ordem tendem a ter maior valor de mercado.
Um especialista no assunto destaca que "o inventário rural permite ao proprietário a realização de um planejamento patrimonial e sucessório eficiente, facilitando a saúde financeira" das propriedades agrícolas e garantindo sua continuidade produtiva.
Os inventários de bens rurais representam um desafio particular dentro do direito sucessório, exigindo conhecimentos específicos tanto da legislação civil quanto agrária. A compreensão das particularidades relacionadas à divisão de propriedades agrícolas, dos custos envolvidos e da documentação necessária é fundamental para que o processo ocorra de forma eficiente e dentro da legalidade.
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